quinta-feira, julho 03, 2008

As crianças e a autoridade

Um dos pontos onde, em apenas umas dezenas de anos, se deu uma viragem completa nos costumes foi no modo como se gere a relação criança adulto do ponto de vista de quem tem a autoridade, a visão ‘antiquada’ (?) de «quem manda».
Não é necessário recuar-se ao tempo da rainha Vitória para se ter ideia de que numa família mandavam os pais e os filhos, com boa ou má vontade :), aceitavam as ordens. Aliás, até mesmo os adultos aceitavam com algum respeito as opiniões dos mais velhos, os seus próprios pais. Era uma hierarquia familiar que não se punha em questão, era pacífica e trazia até algum conforto.
Isso porque quem ‘mandava’ era também quem tinha obrigação de tomar decisões, e portanto assumir responsabilidades.

Mas os costumes mudaram completamente.
Possivelmente porque o conceito de autoridade se tornou antipático em determinada altura, na sociedade ocidental onde o número de filhos por casal também diminuiu imenso, deixou de haver uma figura de autoridade e tudo se resolvia por acordos e ‘negociações’ em família. O que até estaria correcto quando se tratasse de jovens ou adolescentes, mas é um erro pedagógico quando se está a tratar de crianças pequenas. Esse excesso de importância que se dá à criança, distorce a realidade e não é um bom princípio. Um exemplo:
Nós sabemos que nos transportes públicos há lugares sentados e lugares em pé. Desde há muito que existem uns lugares reservados para se sentarem ou grávidas, ou idosos, ou pessoas com crianças ao colo, ou pessoas com uma deficiência. São lugares reservados que até têm uns desenhos esquematizando essas 4 situações.
Quem viaja nos transportes públicos de certeza repara que na quase totalidade dos casos, a mãe senta-se num lugar e o filho noutro. São verdadeiramente raros os casos onde vemos uma senhora sentada com o filho ao colo, isso só quando ele é verdadeiramente ainda bebé.
Mas o máximo, é a situação que tenho observado ultimamente: Como vocês já sabem, tenho andado com uma perna avariada e desloco-me com a ajuda de uma canadiana. Ou seja, encaixo na situação de «ter direito» a um desses lugares sentados. E sempre – e quando digo sempre é porque ainda vi não acontecer de outro modo! – no caso de as cadeiras estarem ocupadas, e duas delas por uma mãe e uma criança pequenina, é a mãe que se levanta e me dá o lugar, enquanto a criancinha continua repimpada na ‘sua’ cadeira, balançando as pernitas. Não ocorreu a nenhuma mãe, sentar a criança no seu colo e oferecer-me esse lugar vago. É ela que fica de pé. E por uma razão simples é que o filho não quer ficar ao seu colo! As poucas vezes onde uma mãe esboçou um gesto para o levantar da cadeira, o autocarro veio abaixo com os gritos do menino. Ela, envergonhada, desistiu logo.

É claro que esta é uma situação sem a menor importância, mas sintomática. É vulgar hoje em dia ver-se uma criança sentada enquanto a sua mãe fica em pé!...

Normal?


19 comentários:

Anónimo disse...

Não.Tens lidado com crianças bem educadas.Normal é darem-te um pontapé na canadiana e jogá-la pelo corredor do autocarro.(já vi).Mas olha lá,transportes públicos não admitem(como dizer?)quadrupedes....AB

cereja disse...

Essa do pontapé na canadiana ainda não vi nem assisti, mas já vi, um bisnico de menos de dois anos, implicar que se queria DEITAR ocupando dois bancos, e a verdade é que a mãe acabou por se por em pé, e ele lá ficou esparramado atravessado nos dois bancos!...
Isto dos transportes públicos dá-nos uns belos exemplos. Até apetece filmar... :)

Anónimo disse...

È por isso que eu amo os transportes públicos.Fica-se com uma ideia bastante concreta do "povo".Pena que os nossos politicos em vez de Spas não frequentem mais estes veiculos ambulantes das suas politicas...AB

cereja disse...

E em hora de ponta!
Não vale apanharem um carro numa hora morta...

Anónimo disse...

Guardo o que penso do tema mais para à tarde, quando tiver um pouco mais de tempo, mas agora queria só apoiar a ideia de que os senhores das decisões importantes deveriam frequentar os transportes públicos, para 'ouvir o povo'.
E não só!
Devia ser obrigatório, por contrato que os senhores administradores do Metro e Carris, passassem um dia por mês (nem era pedir muito!) a viajar, incógnitos, nos transportes que dirigem! Só um diazinho.

snowgaze disse...

Eu em geral também deixaria o meu pirralho sentado, mas ao meu colo :) que eu também vou cansada. Por cá o que me mete impressão é que crianças com mais que idade para andarem pelo pé delas irem de carrinho de bebé. Às vezes já arrastam os pés pelo chão, de tão grandes, e nem assim os pais percebem que já está na altura de porem os putos a andar pelo pé deles.

cereja disse...

Tal e qual «snowgaze».
E os meninos qua andam de chucha o dia todo? Alguns devem passar directamente da chucha para o cigarro...

Pitx disse...

razão tinha a outra: andam a criar monstrinhos!

(segue por correio azul, uma colecta de 46,67 euros, para poderes usar em táxis e mandar os autocarros para um local que eu cá sei.)

(quem é amigo, quem é?)

(brincando....)

Anónimo disse...

Meu Deus, tantas mangas que se fazem com este pano...
Imagino que esta série esteja para continuar, e ainda bem.
Mas tenho algumas perguntas (se calhar vais abordar isto depois) quando dizes que esta autoridade «trazia até algum conforto», o que queres dizer?
Eu tenho ideias muito firmes, daquilo que tenho lido, visto e pensado. A verdade é que saber que há quem seja «maior» do que nós e tome as decisões é realmente um elemento de segurança e estabilidade que muitas crianças hoje não têm...

Anónimo disse...

Na mesma linha de «a criança é que manda», e do 'peso' que isso pode ser, reparem em muitas lojas os pais com duas embalagens a perguntarem aos filhos «afinal queres este ou este?» e se a criança encolhe os ombros, voltam a insistir «vá lá, tu é que sabes! tens de me dizer qual preferes...»
Eu estou sempre a ver e a ...pasmar!

Anónimo disse...

Passei por aqui da primeira vez em que publicaste um post sobre este 'tema' digamos assim, (na altura foi sobre a tv) e na altura não disse nada.
Hoje apetece-me contar-te que estou a seguir com muito interesse «esta série». E aqui esta campo é super-importante!

Maria

josé palmeiro disse...

Como de uma simples constatação do quaotidiano, se entra numa reflexão, ampla, da realidade social.
Tens toda a razão, o mundo, anda virado do avesso.
Estava a ler o teu escrito e a lembrar-me da importância que tinham os "cocuanas"(pessoa com mais idade, em Moçambique) e eu já vou entrando por aí, na formação das gerações vindouras. Não que saibamos tudo, não !
Nós também estamos sempre a aprender, mas, "passope"(cuidado), há que atender ao respeito que temos que ter uns pelos outros, mais novos, mais velhos, de género contrário e do mesmo género. Com os animais e na sua relação com os humanos, tudo está posto em causa. Esse mandar, que hoje se observa, nos mais moços, é incoerente, porque desresponsabilizado, há que atribuir responsabilidade a uma decisão a um acto, pois caoso contrário, estamos a criar os "quadrupedes" de que falava a AB.
E, para já, fico-me por aqui, pois como diz a Mary, isto "dá pano para mangas"

Alex disse...

Não sei bem o que gera esta "impotência" perante as birras e o "eu quero". Como é que um pirralho impõe a sua autoridade, como se estabelece a impunidade geral.
Mais do que falar do comportamento dos miúdos há que escarafunchar o comportamentos dos pais.
Parece-me que uma das causas é, por um lado, um complexo de culpa, normalmente idiota, que advém das faltas que os pais acham que comentem - maioritariamente faltas de tempo e de assistência; por outro lado um medo irracional de que os filhos avancem com um "não gosto mais de ti", sobretudo quando já conseguem estabelecer comparações com "os outros meninos".
Quando a birra se mostra eficaz sofre uma progressão geométrica até à escandaleira, à greve de fome, à agressão afectiva. E muitos pais dizem "coitadinho..."
Coitadinho... sim, se os pais não crescerem.

cereja disse...

*PALMAS*
Alex!!!!
É exactamente isso! Exactamente. Quero prolongar esta conversa convosco, final tenho alguma experiência neste campo, para além de andar por aí de olhos abertos. Mas o importante é aquilo que estás a apontar e que eu me preparava para focar num outros post: a culpa não é das crianças, como é óbvio! E, num certo sentido, não podemos dizer que os pais tenham 'culpa', mas têm responsabilidade neste estado de coisas.
É tal o desejo de serem bons pais... que sai asneira.

Anónimo disse...

Bem agora é «mais tarde» e tinha prometido a mim mesmo passar por este post com menos pressa do que de manhã.
A imagem que escolheste é muito boa porque não se trata aqui de um capricho de uma criancinha na sua casa com os seus pais e familiares, mas na cena pública, onde se mostra que o seu egocentrismo é total. E, eu também me tem feito cá umas comichões ver essas cenas (no metro é igual; no outro dia era uma senhora indiana, de sari e tudo, que apanhou tantos pontapés do filho que lhe deixou os dois lugares para se espojar à vontade!!! Tava cá com uma vontade de lhe ferrar uma palmada nas pernas....
O que imagino que acrescentes, talvez noutro post, é aquilo que a Alex disse agora e eu tinha pensado dizer quando passei por aqui de manhã. Quando nós hoje achamos, como tu dizes que «o conceito de autoridade se tornou antipático» deu-nos para cair não na anarquia, mas sim no oposto da autoridade, ou seja, ela mudou de mãos. Em vez de estar na dos pais, passou para a dos filhos. Porque os pais colaboraram, tá visto!
Essa «culpa« por não se estar tanto com os filhos como se desejava, faz-nos compensá-los aceitando tudo o que eles querem.
Erro? Claro que sim!

Anónimo disse...

Vocês entenderam, não foi? Disse uma palmada era nas pernas do puto que estava aos pontapés, não era nas da senhora...
Como escrevi «lhe» dava para os dois.
:))

Mar disse...

Não. Não é normal. Normal é ensianr uma criança com 10 anos que ia a entrar (hoje mesmo) num edifício que devia deixar passar o senhor idoso de muleta que mal se desloca e assistir à miuda desviar-se de imediato. Depois, normal é a mesma miuda vir-me dizer que, mãe vou ali dar uma aula de como as senhoras devem reciclar porque vi que elas deitam TUDO para o lixo e não para oas sacos lindos do expresso que estão ali no bar. Normal é uma senhora de idade ter-me vindo dizer que, a sua filha acabou de me ensinar ali a mexer no computador. Mas, para termos isto somos nós que temos que os ensinar. Os pais.

Mar disse...

(e sim, este comentário é o de uma mãe babada, orgulhosa e nada modesta no que toca a gabar a educação dos filhos. Olé!) :-)

cereja disse...

Boa noite, Mar!
Estão a ver, como esta história da Mar encaixa aqui bem? Como eu tinha dito um pouco mais acima, o segredo não está na massa, neste caso está na mão do cozinheiro...:D Ou seja está nas mãos dos pais. Não se pode ter medo de educar, de mostrar como deve ser, de ouvir como disse a Alex uma criança dizer 'não-gosto-de-ti'. Se o disser é uma pena, mas sabemos que é um sentimento que vai passar.
E pelo contrário, a satisfação de ser uma mãe babada (eu também de vez em quando o sou...) com razão, é bem maior do que o apertozinho de ouvir 'não-gosto-de-ti' ou às vezes 'és-má', ou 'vou-pedir-ao-pai-que ele é bom' como se o nosso parceiro fosse um rival!
Tem de se resistir a isso.
E depois ficar contente quando nos orgulhamos dos nossos pimpolhos, não só por serem inteligentes, (porque quanto a isso não se pode fazer nada) mas por serem bem formados.