sexta-feira, abril 25, 2008

Onde estavas na noite do 25 de Abril?...

Chegámos à noite a casa, eu e a Marta, completamente extenuados. Cansadíssimos os dois, e ainda debaixo do choque.
Ainda nos custava acreditar. Na nossa vida tinha ficado para trás muitos anos de luta activa, desde a
crise académica de 62, onde nos conhecemos e começámos a namorar. Dessa época ficou a «greve de fome» feita na Cantina, a prisão em Caxias. Qualquer de nós tinha conhecido como era uma cadeia por dentro…
A nossa vida tinha sido muito difícil até então. Sempre que nos candidatávamos a um emprego, apesar de licenciados, a má informação da Pide tinha-nos bloqueado as hipóteses de um trabalho de jeito. Aquele dia foi vivido como um sonho. Voltámos a casa estoirados, cansadíssimos, e fomos enfiar a nossa filhota na cama, que também ela se sentia contagiada pelo ambiente de excitação.
Mas a porta ia ficando aberta para os muitos amigos que iam aparecendo. E foram imensos os que se juntaram na nossa casa, onde improvisámos um 'jantar' - havia pão, ovos, queijo, chouriço, vinho e cerveja, não era preciso mais! Cada qual que chega trás notícias, boatos, nem se sabe bem o que é a verdade e o que são os nossos desejos… - Eh malta!! Shee!!!!Tudo calado, vão dar as notícias na TV!!

De súbito aparecem as imagens da
Junta de Salvação Nacional . Ai!O quêêê??? Desaparecem os sorrisos, passa um arrepio, um momento de susto. Spínola, Galvão de Melo, Pinheiro de Azevedo, Silvério Marques e Rosa Coutinho. Ali, até mesmo o Rosa Coutinho parecia ter má cara! Naquela sala tão animada e feliz sentimos passar uma aragem fria… Foi a primeira desilusão do dia, mas em breve ultrapassada. O Zé Pedro, optimista, acha que aquelas imagens são necessárias para tranquilizar as pessoas mais assustadiças. “Vamos animar, malta, olhem que quem controla o Movimento não são ‘estes’!” e de novo o tom das conversas sobe, planos, sonhos, enchem de entusiasmo o nosso grupo, igual a muitos outros espalhados àquela hora por todo o país.

Ninguém tinha sono, quem conseguia dormir na noite de um dia assim?...


13 comentários:

Anónimo disse...

Só tenho duas memórias do 25 de Abril, Emiéle (era bem pequenita): a interrupção da programação da televisão e o longo abraço dos meus pais. A memória deste ainda me comove.
Um abraço, bons dias de sol.

cereja disse...

Obrigada, Ciranda.
Eu optei por escrever os 5 posts que vêm por aqui acima (isto de se ler ao contrário torna a coisa esquisita!!!) tentando dar as várias perspectivas das diversas idades. Mas claro que abaixo dos 10 anos não me atrevi a imaginar nada...

Anónimo disse...

Como aconselhaste,vou lá para baixo, «começar do princípio»

Anónimo disse...

E pronto, fiz a ronda como aconselhaste.
Terminou em beleza!
Realmente ainda agora sorri ao relembrar o que de facto pensámos ao ver as caras dos gajos da Junta!!!
UI!

Isabel Faria disse...

Ainda não me passei por aí abaixo...agora venho só dizer que, desde que nos conhecemos, tenho uma inveja tua do caraças...para quem, como eu, saiu cá para fora, no dia que saiu, tu és uma felizarda!!!
Eu sei que mereces...mas loguinho neste dia, amiga???

Repito o SMS: Viva o 25 de Abril. O teu e o nosso. (até porque desde que te conheço o teu também passou ser...nosso!!).

Daqui a um ano cá estaremos. E prometo, desde já, que a "coisa" não e há-de chatear o suficiente durante a semana, para eu não conseguir sair de casa à noite.

luis manuel disse...

A publicação de "rajada" como foi explicada, sai muito a propósito.

Como diz o José Palmeiro (num dos comentários lá de trás) : trinta e quatro anos passados, continua a fazer sentido - "Este, foi o primeiro dia, agora, todo o tempo é nosso".
E por força disso mesmo, é necessário e justo manter viva a memória do que então aconteceu.
O que então nos foi oferecido, tem que passar pelas nossas mãos ás gerações actuais, tão ignorantes da importância do acontecimento.

"...vemos gente a rir, falamos uns com os outros, de repente esquece-se a cautela, esquece-se a PIDE..."

"Sentia-me contagiado com aquela excitação, e ainda por cima não tinha tido escola! "

"A conversa é entre a incredulidade e o riso, percebo que se está a viver um momento sem par."

"Contudo a calma com que ele falava, deu-lhe alguma tranquilidade. Se calhar as coisas não estariam assim tão mal como ela receia."

"Trepávamos aos Chaimites, que dantes nos metiam medo por significar guerra e morte, e agora nos traziam a paz. Estava tudo enfeitado de cravos vermelhos, um acaso que se tornou um símbolo.
Vivam os cravos! Viva o MFA! Viva a Vida! Viva a Liberdade!"

"E foram imensos os que se juntaram na nossa casa, onde improvisámos um 'jantar' - havia pão, ovos, queijo, chouriço, vinho e cerveja, não era preciso mais! "

"Ninguém tinha sono, quem conseguia dormir na noite de um dia assim?..."

Émiele, sabia que AQUI encontraria uma manifestação genuína e empolgante da memória de Abril. Antes, durante e após dia 25(por isso não poderia encontrar melhor descrição para o que li, do que retirar algumas frases, que mais me emocionam - sim, porque a EMOÇÃO é um valor destacado de uma revolução para o povo)

Porque não se esgotam as esperanças, os ideais, a solidariedade, o respeito pelo próximo, a força de acreditar que melhor é possivel, nesta página.

Pela pena dirigida com mão ágil e atenta, e nas respostas prontas e verdadeiramente entusiasmadas de todos os que aqui se encontram.
Acredito que hajam muitos mais, desconhecidos, que assim promovem os tão necessários valores sociais.

Enquanto á força, continuemos a luta contra o pessimismo.


25.04.1974
Tinha 13 anos, estudava numa escola junto da biblioteca municipal, local para onde fomos depois de nos darem ordem de saída. O silêncio habitual desse local, foi sendo gradualmente interrompido. Sem alarmimsmo, mas com rapidez, recomendaram que arrumássemos as colecções de banda desenhada (leitura frequente, nos intervalos da escola).
Já na rua, e dentro do trolley que nos levava dse regresso a casa, sentimos algum temor. Não percebiamos bem o que se passava com as pessoas. Embora, alguns comentários eu conhecesse de casa, da família, não conhecia o que então se vivia, e o que estaria para acontecer. O segredo, era importante e necessário para eles...!
A partir daí, mergulhei nas imagens da TV, nos abraços que os mais velhos trocavam em casa. Será que chorei, como eles também o fizeram ...? Talvez, porque não mais esqueci a vibração que por ali passou.

Logo no meu aniversário, a 1 de Maio de 1974, as fotografias recordam a família de cravo vermelho na mão. Durante muitos anos foi sendo um gesto de orgulho.

Porque o perdi(perdemos)...!? Quinta feira, vou recuperar esse alegre comportamento. Terei cravos vermelhos para todos. Até porque sinto que os meus filhos, estão hoje mais conscientes da riqueza que lhes foi conseguida.

Um grande abraço - para a solidariedade e igualdade.
Obrigado

josé palmeiro disse...

Perante tudo isto, não sei que dizer, sei sim que tive a mesma sensação que tive no momento, rolaram-me as lágrimas pela cara!
Não há dúvida que somos uma comunidade e, bom será que nos mantenhamos atentos e actuantes, pois o caminho é longo e penoso, mas vale a pena.
Referes aqui o aparecimento, daquelas figuras, sinistras, da Junta de Salvação Nacional. Foi o preço que tivemos de pagar, por fazer uma revolução com cravos, coisa que ainda hoje estamos a pagar. Por outro lado, com o país de luto como estava, pelos 48 anos de noite fascista, sobrecarregado do imenso número de mortes e de estropiados resultantes de uma guerra injusta, contra povos que, tal como nós, só queriam ser livres.
Recebam todos, os que já aqui chegaram e os que estão para vir um fraternal abraço, deste que hoje, irá ter a alegria de ver e sentar no colo os netinhos, que chegam, daqui a pouco, para passar uns dias, com os avós, uma maneira muito especial de comemorar o 25 de ABRIL!

Anónimo disse...

E chegámos à noite deste DIA.
Já o ano passado tinha gostado muito do modo com escreveste isto, e este ano que estava esquecido, só posso dizer que ainda bem que estava esquecido, porque o li como se fosse a primeira vez.

Um testemunho magnífico, Emiéle.
Falta apenas (mas como só podes falar do que sabes...) a reação da província. Tu estavas aqui em Lisboa, e as pessoas que referes também aqui estavam, pelo que percebo. Mas por todo o país a reacção foi esta - espanto e alegria, com alguns pontos mais negros de medo e desconfiança.
O comentário do «nosso» Luís Manuel, tem a elegância da escrita que ele tem, e o poder de síntese, que eu tanto invejo mas não consigo imitar.
Devia poder concluir dizendo que subscrevo aquilo que eles disse!

cereja disse...

'Zabel, realmente os nossos pais tiveram a pontaria inversa.. lol! E ainda por cima, que me lembre, o teu dia de anos, sendo tão famoso como o meu (embora se sinal inverso) nunca foi feriado!!!
De resto, quanto a festas e coisas dessas, só é chato teres andado tão chateada pela «coisa», mas eu entendi lindamente!....
(eheheh, isto não é para vocês perceberem! é linguagem de código!..)

Anónimo disse...

Tanto para ler e comentar e logo hoje que não tenho tempo mesmo nenhum!!!

Olha, amanhã logo digo de minha justiça.
Mas claro que só posso «fazer minhas as palavras dos oradores antecedentes»!!!!

Um abraço!

Anónimo disse...

Estou tal e qual como a Mary.
Queria imenso ficar aqui a gozar este blog de Abril, mas aré estou a ecrever em pé...
Chau!!! IÍNTÉ!

Anónimo disse...

Magnífico post e muito bons comentários, para mim em especial lm jp

Anónimo disse...

Ontem nem tive tempo para vir ao Pópulo, "assinar o ponto", e agora tenho de ver tudo de assentada!

Adorei ver esta imagem!
(quero dizer os cantores não a Junta!!!)
É mesmo uma imagem de alegria!