sexta-feira, abril 25, 2008

Onde estavas na manhã do 25 de Abril?...


Eu era miúdo. Dez anos acabados de fazer. Tinha ido como de costume para a Escola mas via-se que alguma coisa se passava, os professores estavam esquisitos só a falar uns com os outros e não vinham para as aulas. Alguém fala em Revolução e não era a brincar. Os professores discutiam, uns achavam que se devia dar as aulas como de costume, outros que era mandar os alunos para casa. Eu via bem a discordância, uns radiantes, outros muito preocupados.
Mas a meio da manhã foram os pais que começaram a aparecer a ‘recolher’ os filhos, era mesmo uma Revolução!
Eu nunca tinha visto tanto nervosismo. Os meus pais pareciam outros, eles que são – eram! – calmíssimos, estavam numa pilha de nervos.
Meteram-me no carro e vão a casa dos meus avós contar as notícias. Ainda têm algum receio de falar ao telefone e é mais seguro ir lá a casa ver como estão. Na estrada, no caminho da marginal, passamos por um sítio onde de avista o Forte de Caxias e o meu pai às tantas grita “Que se lixe, quero lá saber!” e buzina vigorosamente. Outros carros passam por nós e também começam a buzinar; um deles buzina de um modo especial, os meus pais explicam-me que aquilo é «morse».
A minha mãe chorava de emoção e repetia-me para nunca esquecer aquele dia, o fascismo estava a cair. Sentia-me contagiado com aquela excitação, e ainda por cima não tinha tido escola!
Lembro-me que os meus avós, que tinham mais de 60 anos, não queriam acreditar. Eu sabia que eles sempre tinham sido de esquerda e combateram com todas as forças o salazarismo. O avô esteve preso muitas vezes. A conversa é entre a incredulidade e o riso, percebo que se está a viver um momento sem par.
O meu avô quer vir logo para Lisboa, e querem deixa-me ali com a avó, coisa que não me agrada, perdia a festa!
Almoçamos a correr, parece que estamos nas nuvens. Oiço nomes: Marcelo, Tomás, Spínola. Mas onde está o governo, o que é que ele faz? Prendem-no? Julgam-no? E a PIDE? Vão prender os Pides?

Vimos todos para Lisboa depois do almoço. No rádio do carro ouvimos que o forte de Peniche foi libertado.
Todos gritam: Desta vez foi! Esta é a prova!


4 comentários:

Anónimo disse...

Tal como aconselhaste, venho seguindo a cronologia...
Está excelente o quadro desta família. O ser visto pelos olhos de um miúdo não altera nada e até ajuda (é a ideia do «Conta-me como foi...» afinal!)
Dá para imaginar o que sentiram os avós deste menino. E os pais, é claro.

josé palmeiro disse...

Linda homenagem esta, que estás a prestar, ao 25 de Abril e consequentemente, a todos nós!
Quando aqui cheguei, só cá estava o primeiro escrito e agora dou com este rol, de que ainda falta um, aguardemos.

Anónimo disse...

Lindo Emiéle.
A gente fica aqui com um nó que não desce...

Anónimo disse...

Tinha quase 12 anos e estava no 2do ano do Ciclo Prep.do Laranjeiro/Almada. Alguns professores começaram a contar coisas interessantes sobre uma revolução nas ruas de Lisboa, que era melhor irmos para casa a correr, sem parar, caso algo corresse mal e ocorresse alguma agitação para aqueles lados...Corri, sem me atrever a olhar para trás, pensando que poderia caír alguma bomba. Meu pai e outros colegas da Marinha tinham vindo para casa e estavam falando com muito entusiasmo, alguma preocupação e dúvidas. Eu não percebia lá muito bem o que se estava a passar, apesar de sempre ter recebido alertas para ter cuidado com críticas na rua porque a Polícia nos podia prender. Nos dias seguintes vários professores começaram a falar de política connosco, dos nossos direitos de cidadãos e mulheres...As aulas de religião e moral passaram a ser mais animadas porque já não era necessário só escutar mas tb podíamos fazer perguntas críticas e até dizer que não acreditávamos nisto ou naquilo...Ufa, que alívio...Isso percebi bem, sim. Depois da obrigatória comunhão desisti de ir à igreja. A lavagem cerebral católica começou a esfumar-se. O meio em que cresci e estudei era progressivo, o que facilitou a aprendizagem das novas "célebres" disciplinas: Introdução à Política e Filosofia...Finalmente era-nos dada a liberdade de expressão e de poder usar sem medo a nossa razão. Viva a diferença de ideias...Lia