sexta-feira, abril 25, 2008

Onde estavas na madrugada de 25 de Abril?...


Dormíamos quando o telefone tocou.
Estava ainda escuro. Tínhamo-nos deitado tarde e pensávamos fazer uma pequena viagem nesse dia pelo que a primeira ideia quando ouvi a voz da minha sogra era que seria qualquer recomendação, porque ela era muito «sogra galinha» e demasiado protectora. Contudo o ‘recado’ era bem diferente: «
Liguem o rádio. Depressa! Passa-se qualquer coisa de grave, tenham juízo e não se atrevam a sair de casa!»
Ligámos de imediato o rádio e realmente algo de estranho se passava. Dava apenas música, sem qualquer intervenção do locutor habitual, e a música era exclusivamente marchas militares.
Eu tinha 25 anos, o João 26, casados há poucos meses, unidos por muito afecto e idêntica visão do mundo e da sociedade. Olhámos um para o outro. O coração bate forte quando ouvimos «Aqui Posto de Comando das Forças Armadas». Pensámos em Kaulza…Seria uma viragem à extrema-direita?... Coisa tenebrosa de imaginar mas o «golpe das Caldas» tinha falhado há pouco tempo…
Arranjámo-nos e vestimo-nos num ápice. Ficar em casa?! Nunca. É certo que era essa a recomendação do tal «posto de comando» e da nossa 'mãezinha' mas isso era completamente impossível. Tínhamos que saber o que se passava, mas tendo vivido toda a vida com as maiores cautelas não nos atrevíamos a telefonar aos nossos amigos, sabíamos bem que os telefones podiam estar em escuta e não era seguro.

Saímos com o nascer do sol e nervosíssimos. Adeus viagem, queremos lá saber, isto é muito mais importante. Pouca gente na rua, tudo parecia calmo. Demos uma voltinha de carro e olhámos um para o outro com a mesma ideia: Vamos à Baixa!
Chegamos ao Rossio, vemos os tanques, o coração parece um tambor a querer rebentar-me o peito. Ouve-se conversas e começamos a acreditar que não é um golpe de direita, então…? Será?...
Passa-se palavra de que o Carmo está cheio de gente, querermos ir para lá e já nem conseguimos passar. Subimos a Rua Garrett, vemos gente a rir, falamos uns com os outros, de repente esquece-se a cautela, esquece-se a PIDE. O tempo passa, são já 9, 10, 11 da manhã, agarramos cravos vermelhos que as vendedeiras de flores do Rossio oferecem.

Vivemos um sonho, ou o acordar de um longo pesadelo!


6 comentários:

Anónimo disse...

Onde estava no 25 de Abril?

Ainda não era tido nem achado e fui dos fiquei em casa.(ainda nem 3 anos tinha!)
Na minha família foi: mulheres e crianças em casa, os homens adultos, esses ainda hoje quando passam as imagens do largo do carmo na TV dizem com orgulho, "olha, lá estou eu"

josé palmeiro disse...

Pois eu, estava em Moçambique, numa cidade chamada, na altura, Vila Pery, hoje, Chimoio, nome do planalto que a viu crescer.
Dizia eu onde estava, geograficamente, pois como afazeres era empregado bancário, no BNU, e locutor, no Emissor Regional do Rádio Clube de Moçambique. De manhã, levantar, pegar no filho e levá-lo à ama e depois, cada um para o seu posto de trabalho. Decorria a manhã, quando o Matoso, que tinha sempre o rádio ligado, começa a ouvir as notícias vindas de Lisboa. Foi a loucura total. O trabalho desenvolvia-se ao redor do rádio e é escusado dizer que, nunca mais se fez nada de jeito. Os jornais começaram a chegar, o Notícias da Beira de que o Gama Rodrigues era delegado, recebe as primeiras edições do dia, com notícias, ainda incipientes, do golpe que, pouco a pouco, vão tomando corpo e jeito. As populações agitam-se, na esperança de que dê certo. e eu, sai para a rua e distribuo jornais, por toda a gente. Por mim, ainda hoje conservo, os Notícias da Beira de 24, 25 e 26 de Abril de 1974.
Como escreveria, mais tarde José Carlos Vasconcelos, nos seus poemas, dedicados à revolução:
"Este, foi o primeiro dia, agora, todo o tempo é nosso."
Hoje,Trinta e quatro anos passados, continua a fazer sentido.

cereja disse...

Muito obrigada Pedro.
Pelo comentário e pelo email.
(como tenho de sair optei por deixar os posts todos já on line apesar de com a data em que «devia» aparecer aqui.
Se fizer confusão, acredito suficientemente nos meus leitores para que a ultrapassem)

cereja disse...

Olha, entrou o comentário do Zé!!!
Estava a responder ao Pedro, e portanto não vi o teu.
Como agora reparaste, os posts que tinha para hoje publiquei-os todos de rajada.
Fica apenas o último guardado, para «fechar» o dia.
É que não vou conseguir que eles entrem no tempo por que devia ser... Mas acho que assim também "serve".

Calculo que quem estivesse numa colónia fosse ainda mais impressionante! Tantos anos à espera, e finalmente!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Anónimo disse...

Emiéle, como tenho dito sou uma visitante recente, há um anos não andava por estas paragens, portanto tudo isto é novo.
Estive a ler tudo o que escreveste e ainda me sinto comovida...
Eu já era crecidinha nessa altura, não muito, muito. Por exemplo, esta «recordação» da madrugada não será a minha, mas é de certeza dos meus irmãos mais velhos!
E que bem que está!
Que graça ouvir a mensagem do Rádio Clube Português!!!

Anónimo disse...

Como explicaste aqui em baixo (e foi mesmo uma explicação que não tem caixa de comentários) esta é uma espécie de Diário da Ana, mas muuuito mais abrangente.
Já vi tudo, mais para cima.
Realmente este foi o início.
Tal como o dizes!
Com esta emoção e nervosismo.
Deste dia inicial, inteiro e claro.